Bastante tempo atrás, a Cris deixou um comment aqui, perguntando sobre o que eu achei de morar tanto tempo na França. Até agora não respondi, mas achei a pergunta interessante, e então aqui vai:
França e Paris são muito diferentes, e eu conheço muito pouco da França de verdade. Morei 11 anos em Paris, e como a maior parte do tempo era estudante muito pobre, não tive muitas oportunidades de viajar pelo pais. Cheguei em Paris com 19 anos, pra fazer a faculdade, e foi uma experiência incrível. Ter liberdade e independência pela primeira vez numa cidade como Paris é fascinante. Fiquei impressionada com a riqueza da cultura e historia da cidade, e fiz de tudo pra aproveitar ao máximo. Aprender a falar Francês foi complicado, porque minha faculdade era americana, e todo mundo falava inglês. Mas fui morar com um menino brasileiro que tinha muitos amigos franceses, e depois de um ano de sair com eles, e não poder abrir a boca por timidez de falar tudo errado, resolvi falar só em Francês em casa, e aprendi na marra. Na época eu não via muito a beleza da língua, e demorou pra mim me esforçar pra aprender direitinho. Hoje em dia fico transbordando de felicidade quando os próprios franceses dizem que eu falo quase sem sotaque. Mas foi duro, e eles não ajudam em nada. Os parisienses, quando você esta aprendendo a falar a língua deles, não tem nenhuma paciência, e preferem dizer que não entendem nada, e sair de perto, do que fazer um esforço pra se esforçar à entender, e se interessar em comunicar com os estrangeiros. Acho que também, naquela época, o Brasil não era um pais tão na moda e fascinante pra eles, então mostravam menos interesse.
Porém depois de uns 6, 7 anos, Paris começa a cansar muito. O povo, que tem de tudo, parece muito infeliz. Eu não canso de comparar as pessoas sentadas dentro de um metro ou onibus em Paris com as que estão no Brasil. Os Franceses tem seguro de trabalho, educação praticamente de graça, seguro médico pra todos, seguro de desemprego, seguro de tudo. Acordar um dia sem nada na vida em Paris é bastante difícil. E no Brasil, acontece todos os dias, à todos. O brasileiro, se não pode pagar o médico, morre no corredor do hospital. Se não tem trabalho, passa fome. Se não pode pagar a escola, não aprende à ler. E ponto final. Por isso sempre fiquei com muita raiva daquelas caras de infelizes.
O que mais me assustou durante meus anos na cidade foi a falta de humanidade do povo. Uma vez estava no metro, de manha cedo, lotado, e uma menina desmaiou. Caiu no chão, completamente desacordada. Fui a ÚNICA pessoa a ajudar. E tive que brigar muito pra conseguir puxar a alavanca de emergencia, pra poder parar o trem e tirar a coitada da menina. Os passageiros não queriam, porque aquilo era só pra usar em caso de emergencia. Pode? Cheguei na faculdade tremendo.
Do outro lado da moeda, a cultura, a historia, a beleza da cidade não tem preço. Aprendi sobre musica, cinema, cultura, arte, literatura, e muito mais, durante a minha vida parisiense. E isso não tem preço.
Chegando em Barcelona vejo os contrastes. As pessoas são muito calorosas, gentis com os outros na rua, amáveis com os turistas (mesmo se eles são extremamente irritantes), e tanto mais. Falo espanhol muito mal, mas eles sempre me entendem. Acabei achando que era a rainha da cocada preta em termos de língua aqui, antes de perceber que eles se esforçam demais pra aceitar todos os sotaques, todos os erros, e nunca fazer careta pra nos, estrangeiros tontos. Eles sorriem na rua, se interessam por todos, e reconhecem a importância dos turistas e estrangeiros na economia deles.
Em termos de cultura, historia, e tal, eles são muito mais jovens do que os franceses, em todos os sentidos. A cultura e historia esta mais pra grafiti e cabelos azuis do que pro Museu do Louvre e a elegância francesa.
As coisas são muito diferentes. Mas a verdade é que morar em Paris foi uma experiência incrível, e eu não seria quem sou se tivesse vivido esse tempo todo em outro lugar.